terça-feira, 3 de agosto de 2010

Decisão.

Hoje descobri uma historia no mínimo curiosa.

Sempre passa lá pela porta da empresa, um rapaz, sujo, bem sujo e de skate.
Cabeludo, barbudo, meio dourado ou ruivo. Ostentando a sua camisa do São Paulo e segurando malabares. Bolinhas azuis e/ou flags.

Tive vontade que ele parasse para demonstrar suas habilidades, mas hesitei.
Aqui não é como o interior, por mais puritana ou inofensiva que a pessoa pareça, um contato assim de sopetão não é indicado. Contive-me, sabia que outra oportunidade viria. Sempre vem.

Estava então, numa segunda-feira almoçando no mesmo lugar de sempre.
E o vi, paciente fez seu prato, bem saudável inclusive. É eu observei.
Muita salada, muita mesmo. Comeu como um Lord, cortando a carne, soltando a faca e levando o garfo a boca com a mão direita. Como os livros de etiqueta ensinam.

Serviu-se pela outra vez. Agora de carne e purê de batatas. Pediu um copo de água e novamente comeu com classe.

Imaginaram como a minha curiosidade aumentou? Pois é, comecei a me perguntar por que ele sabia comer do modo que eu sempre admirei e que eu mesma não tinha paciência? Porque ao invés de deixar os talheres jogados, ele os colocou juntos no canto certo do prato?

Quando ele saiu, perguntei ao dono do restaurante, o japa mais boa praça de Maringá.
“Beto, você conhece esse cara?” Ele disse sem titubiar.
“Era rico, bem de vida e largou tudo.”

Agora, era questão de sobrevivência descobrir porque cargas dágua aquele ser humano abriu mão do conforto e passou a viver assim, ao Deus dará.

Ele passou em frente ao meu trabalho no mesmo dia, á tarde. Dessa vez com uma camisa do Grêmio.
Eu gritei “bonita camisa”. Ele se aproximou e só aí pude notar o quão bonito e expressivo era o rosto de Eduardo, sim, esse é o nome dele. Eduardo.

- Você gostou da minha camiseta? Ele perguntou sorrindo.
- Pó, maneraça, respondi com gírias dos mano muito loco curintiano do Brasil.
Ele gargalhou e começou a enumerar as outras tantas que tinha.
“Tenho do Milan do Internacional, do Flamengo” Gosto de todos os times do mundo.

Eu disse: E do timão, não tem?
- Tem sim, mas do timão eu uso limpa. Rs.

Ele me perguntou onde eu morava, menti claro. Ainda receosa.

Comentamos sobre época de mangas já que vimos uma menina passando com várias em uma sacola.

E aí foi minha vez de perguntar. E você Eduardo, onde mora?

Eu moro onde eu quero. Final do ano vai morar em Ilha Bela ou Trancoso afirmou.
Não é espetacular poder fazer tudo o que quiser? Eu quero morar aqui até final do ano e só, depois vou pra Bahia pegar umas ondas e um sol.

Eduardo conversava com agilidade e concordância de alguém que estudou e leu. E não foi pouco. Ele tinha pausas certeiras na fala. Fiquei encantada e imaginando como seria um homenzarrão com aquele tamanho todo, sem aquela barba imunda e aquelas roupas rasgadas e feias.

Eu continuei com o interrogatório, afinal era a minha chance de descobrir o que ele era, ou quem ele era.

- Você anda de skate e do que mais gosta?

Com o olhar fixo no chão, disse: Eu pego onda, eu faço malabares, eu gosto de jogar uma futeba de vez em quando, nadar, jogar vôlei. Sou um cara do bem, sou saudável. “É Eduardo, eu percebi no almoço”, mas guardei esse comentário pra mim.

Ele parecia cada vez mais encantador, porém tinha um olhar perdido.
Observe, eu disse perdido e não triste.

- Eu já tive muita grana, e não era feliz. Agora eu sou, escolhi minha vida e cuido dela sozinho.

Ao que me parece, sou leiga nisso, que fique bem claro. Ele não tinha aparência de alguém drogado ou alcoolizado. Tinha jeito de gente mau tratada ou decepcionada.

Elogiei o nome dele e contei que meu priminho era seu xará, pois também se chama Eduardo.


- Eu sou Junior! Bradou. Eduardo Junior.
- Meu pai é Filho e eu sou Junior, repetiu orgulhoso.

Era a primeira vez que ele mencionava a família.

O meu pai é velho, um velho advogado que tira as pessoas da cadeia, mas nunca conseguiu se libertar dele mesmo.
Foi ouvindo essa frase filosofada por Eduardo que descobri o real motivo do tal ar de decepção que havia comentado antes.

Era o pai que o decepcionara, talvez por ser um jovem visionário, criativo e inteligente, o Sr. Eduardo não superou as suas expectativas.

Mesmo assim percebo por um instante que ele carregava uma admiração pelo pai. Será que não dava pra ser feliz Edu? Suportar?
A resposta está no jeito que ele escolheu pra viver.
Sujo, perambulando, barbudo e sorridente no skate.

Foi assim que eu o conheci. Talvez não o tivesse notado com roupas limpas e barba feita. Ele escolheu pra sua vida o que achava bom, e fez disso libertação.

Coragem não é?

Eduardo continua passando com freqüência na frente da loja, mas parece não querer parar nunca ou se esqueceu que havíamos nos conhecido.
E realmente, ele tem a camiseta do Milan e do Internacional. Sujas também.

Descobri que o Eduardo pai, já foi um grande defensor publico e hoje está aposentado aos 63 anos.
Realmente tem uma situação confortável de vida. E não por coincidência tem a mesma ternura no olhar. Mas essa é outra historia.

2 comentários:

Anônimo disse...

Anita, você é especialista em perceber as coisas... de um jeito tão completo, tão perturbadoramente preciso. Saudades!

andressa Stefhany disse...

No minimo muuuito interessante! Amei de verdade, bjs