terça-feira, 6 de maio de 2008

Raízes.


A mãe foi morar numa clínica depois do AVC que lhe tolheu parte dos movimentos e raciocínio. A clínica oferece mais conforto do que a filha poderia oferecer. A filha a visita com frequência. Menos do que gostaria. Mais do que pode.

A filha chegou e encontrou a mãe sentada no jardim, esperando. Já sabia que ela viria: seu óculos haviam quebrado, e só hoje a filha pôde passar para resolver o problema. A filha trabalhava muito.
Quando estacionou o carro e viu a mãe sentada no jardim, teve vontade de chorar. Em uma semana, a mãe envelhecera mais dez anos. O tempo agora é assim – minutos são horas. Dias são anos. Esta semana na clínica não lhe pintaram os cabelos, não lhe colocaram a melhor roupa. (Disseram depois que ela não quis).

A mãe deu um sorriso trêmulo ao ver a filha. O sorriso dela agora é assim.
Era um sábado. A filha tinha programado ver a mãe, consertar o óculos, dar um passeio rápido, e voltar para trabalhar. Mudou de idéia. Pediu à enfermeira que providenciasse os remédios nos vidrinhos (com os devidos horários), fez uma pequena mala e levou a mãe. Consertou os óculos, e no supermercado comprou camarão e tinta para cabelo. Enquanto fritava o camarão, pintava os cabelos da mãe. O resto da tinta que sobrou passou em suas raízes, que também começaram a ficar brancas. Meia hora depois, camarão já comido e elogiado, “quanto tempo não como um camarão!”, hora de lavar o cabelo.

A mãe tem medo de cair no banheiro, já aconteceu antes. A filha não pode esperar muito, ou o tempo de ação da tinta em seu próprio cabelo ficará complicado. Resolve tomar banho junto.

O corpo adulto da filha e da mãe.

As duas no início têm vergonha. A água do chuveiro é muito quente, a filha deve tirar rapidamente a tinta – além de tudo tem medo de alguma irritação, a cabeça da mãe tem verrugas e feridas, “natural da idade”.

“Ah, minha filha, quando eu tinha este corpinho...”, diz a mãe, ao ver a filha, que até o momento se sentia gorda. A mãe não quer mais sair da água quente. (Na clínica dizem que ela odeia tomar banho).

Depois do banho, o secador. A filha seca os cabelos da mãe, faz massagem, para organizar os fios. A tintura ficou boa. A mãe quase dorme. A filha pergunta se ela está com sono. “Não, minha filha, é que você está fazendo carinho na minha cabeça”.

A filha resolve cortar os cabelos da mãe, que está achando feios. Pega uma tesoura meio cega e faz um corte meio francês. A mãe adora. A filha prepara a cama para que ela se deite e durma. Ela não quer deitar, ela não quer estragar os cabelos: quer voltar para a clínica e mostrar às outras o salão da casa da filha. (by 'basicamenteisso')

"...eu quero uma mulher de coloridos modos, que morda os lábios sempre, que for me abraçar..."


Fábio, o poeta, o Júnior saca?

;*

Até Breve.

Um comentário:

Euzer Lopes disse...

Que texto, hein?
Confesso que me cortou o coração... O amor incondicional de uma mãe por um filho pode provocar reações incondicionais como a que a filha teve pela mãe.
Ainda mais nesta época...
Feliz dia das mães!
(acaba de me inspirar a escrever um post no meu blog)